Chico Xavier
A Doutrina Espírita é uma corrente de pensamento - nascida em meados do século XIX - que se estruturou a partir de diálogos estabelecidos entre o pedagogo francęs Hippolyte Léon Denizard Rivail e o que ele e muitos pesquisadores da época concluíram tratarem-se de espíritos de pessoas falecidas (desencarnados), a manifestar-se através de diferentes médiuns em diversas partes do mundo.
Caracteriza-se pelo ideal de compreensăo da realidade mediante a integraçăo entre as tręs formas clássicas de conhecimento, que săo o científico, o filosófico e o religioso. Cada uma delas, se tomada isoladamente, tenderia a conduzir a excessos de ceticismo, negaçăo ou fanatismo. A doutrina espírita objetiva estabelecer um diálogo entre elas, visando, com isso, ŕ obtençăo de uma forma original, a um só tempo mais abrangente e profunda, de compreender a realidade.
A sua base doutrinária é o Livro dos Espíritos, primeira das chamadas obras básicas escritas por Rivail. Nesse livro, estăo inseridas perguntas desenvolvidas pelo pedagogo, que teriam sido respondidas pelos espíritos em sessőes mediúnicas com técnicas diversificadas de psicografia. Essas questőes, numeradas de 01 a 1019, serviram como base para os demais livros que compőem a Codificaçăo Espírita.
Segundo muitos de seus estudiosos, a doutrina espírita tem inspiraçăo cristă, apesar das concepçőes teológicas bem diferenciadas no que diz respeito a conceitos como divindade, natureza humana, salvaçăo, graça e destino. Para eles, Jesus Cristo é o espírito mais elevado que conhecemos em toda a história da Terra, bem como o modelo para alcançarmos a perfeiçăo.
Contexto
Em 1855, Denizard Rivail, depois conhecido pelo pseudônimo de Allan Kardec, lançou-se ŕ investigaçăo do fenômeno, bastante comum ŕ época, das "mesas girantes" ou "dança das mesas", em que mesas e objetos em geral pareciam animar-se de uma estranha vitalidade. Após dois anos de dedicaçăo ŕ pesquisa, ele năo considerou as muitas e óbvias fraudes com que se deparou suficientes para justificar uma generalizaçăo que fizesse de todos os acontecimentos dessa ordem falácias e/ou charlatanices. Pessoalmente convencido năo só da realidade do fenômeno, que considerou essencialmente real apesar das mistificaçőes existentes, mas também da possibilidades de serem causados por espíritos, Rivail deu um passo adiante: em lugar de dedicar o resto de sua vida ŕ busca por "provar cientificamente" a veracidade do fenômenos, Rivail procurou extrair da possibilidade, por ele abraçada, de eles serem causados por espíritos algo de útil para a humanidade.
A robusta formaçăo humanística por que passara, bebendo diretamente de Pestalozzi, discípulo dileto de Rousseau, năo poderia limitá-lo a uma pesquisa meramente naturalista. A necessidade de dar algum suporte ŕ espiritualidade humana numa época em que a cięncia avançava a passos largos e as religiőes perdiam cada vez mais adeptos despertou em Kardec a idéia de uma forma de pensar o mundo que unisse, de forma ponderada, a ascendente Cięncia e a decadente Religiăo, mediadas pela racionalidade filosófica. Dessa forma, Kardec fez uso do empirismo científico para investigar os fenômenos, da racionalidade filosófica para dialogar com o que presumiu serem espíritos e analisar suas proposiçőes, e buscou extrair desses diálogos conseqüęncias éticas racionais, úteis para toda a humanidade. Surgia aí, mais precisamente em 18 de abril de 1857, o espiritismo, organizado na primeira ediçăo de O Livro dos Espíritos.
Primeiras observaçőes
Os espíritas e muitos outros defensores da explicaçăo mediúnica para os chamados "fenômenos sobrenaturais" ou "paranormais" adotam a data de 31 de Março de 1848 como o marco inicial das modernas manifestaçőes mediúnicas, alegadamente mais ostensivas e freqüentes do que jamais ocorrera, o que levou muitos pesquisadores a se debruçarem sobre tais fenômenos. Afirmam, contudo, que acontecimentos envolvendo espíritos (pessoas que já morreram) existem desde os primórdios da humanidade.
Entre outros, citam como exemplo os comentários de Platăo ao falar sobre o "dáimon" ou gęnio que acomapanharia Sócrates; a proibiçăo de Moisés ŕ prática da "consulta aos mortos", que seria uma evidęncia da possibilidade dessa prática, já que năo se interdita algo irrealizável; e a comunicaçăo de Jesus com Moisés e Elias no Monte Tabor, citada em Mt, 17, 1-9.
Estudo sobre as mesas girantes
Segundo os biógrafos, Allan Kardec foi convidado por Fortier, um amigo estudioso das teorias de Mesmer, a verificar o fenômeno das mesas girantes com a disposiçăo de observar e analisar os fenômenos que despertavam curiosidade no século XIX.
As primeiras manifestaçőes tidas como mediúnicas aconteceram por meio de mesas se lavantando e batendo, com um dos pés, um número determinado de pancadas e respondendo desse modo sim ou năo, segundo fora convencionado, a uma questăo proposta.
Kardec, em analisando esses fenómenos, concluiu que năo havia nada de convincente neste método para os céticos, porque se podia acreditar num efeito da eletricidade, cujas propriedades eram pouco conhecidas pela cięncia de entăo. Foram entăo utilizados métodos para se obter respostas mais desenvolvidas por meio das letras do alfabeto: o objeto móvel, batendo um número de vezes correspondente ao número de ordem de cada letra, chegava a formular palavras e frases respondendo ŕs perguntas propostas.
Kardec concluiu que a precisăo das respostas e sua correlaçăo com a pergunta năo poderiam ser atribuídas ao acaso. O ser misterioso que assim respondia, quando interrogado sobre sua natureza, declarou que era um Espírito ou gęnio, deu o seu nome e forneceu diversas informaçőes a seu respeito.
Princípios
O Espiritismo, de um modo geral, fundamenta-se nos seguintes pontos:
na existęncia e unicidade de Deus, desconstruindo o dogma da Santíssima Trindade;
na existęncia e imortalidade do Espírito, compreendido como individualidade inteligente da Criaçăo Divina;
na defesa da Reencarnaçăo, como o mecanismo natural de aperfeiçoamento dos Espíritos;
na possibilidade de comunicaçăo entre os espíritos encarnados ("vivos") e os espíritos desencarnados ("mortos"), através da mediunidade;
Além disso, podem-se citar como características secundárias:
A noçăo de continuidade da responsabilidade individual por toda a existęncia do Espírito;
Progressividade do Espírito dentro do processo evolutivo em todos os níveis da natureza;
Volta do Espírito ŕ matéria (reencarnaçăo) tantas vezes quantas necessárias para alcançar a perfeiçăo relativa a que se destina. Os espíritas năo cręem na metempsicose, ou seja, a volta do Espírito no corpo de animal para pagar dívidas, como aceitam as religiőes orientais em geral. Conforme o Espiritismo, o Espírito năo retrograda;
Ausęncia total de hierarquia sacerdotal;
Abnegaçăo na prática do bem, ou seja, usualmente năo se cobra nada por esta ou aquela atividade espírita;
Terminologia própria, como por exemplo, perispírito, Lei de Causa e Efeito, médium, Centro Espírita. O espiritismo năo preconiza o uso de termos como: corpo astral, karma, Exu, Orixá, "cavalo", "aparelho", "terreiro", "encosto", entre outros vocábulos utilizados por várias religiőes e crenças, conquanto haja muitos espíritas que façam uso deles.
Total ausęncia de culto a imagens, altares, etc.
Ausęncia de quaisquer rituais de batismo, culto ou cerimônia para oficializar casamento;
A doutrina espírita incentiva aos praticantes do espiritismo o respeito para com todas as religiőes e opiniőes.
Segundo os espíritas, existem organizaçőes cujas características năo se encaixam na doutrina espírita, e por isso năo săo considerados pelas Federaçőes Espíritas, representativas da doutrina. Para os espíritas, estas săo doutrinas espiritualistas e năo espíritas. Esta diferenciaçăo tem gerado muitas controvérsias e discussőes em ambos segmentos.
Embora a Doutrina Espírita năo seja oriunda do Brasil, este é o país que possui a maior quantidade de adeptos.
Doutrina Espírita e Cristianismo
Os espiritistas (em Portugal) ou espíritas (no Brasil), na sua maioria, afirmam-se cristăos e atribuem ŕ Doutrina Espírita o caráter de uma doutrina cristă. Entretanto, essa associaçăo entre Espiritismo (Doutrina Espírtia) e o Cristianismo é contestada pelas religiőes de matriz judaico-cristăs, sob a alegaçăo de que, embora partilhe de valores cristăos, a rejeiçăo espírita a diversos postulados bíblicos e teológicos preconizados pelas igrejas cristăs inviabilizaria a conceituaçăo do espiritismo como "cristăo".
Os espíritas fundamentam sua defesa do carácter cristăo da Doutrina Espírita no fato de Allan Kardec, em seus diálogos com os Espíritos, ter concluído que a moral cristă, isenta dos dogmas de fé a ela associados, seria o que de mais próximo a um código de ética divino e racional o homem possuí. Além disso, a resposta ŕ pergunta 625 de O Livro dos Espíritos afirma ser Jesus o maior exemplo moral de que dispőe a humanidade, apesar de o espiritismo negar a ele qualquer carácter efetivamente divino (Obras Póstumas, 13.Ş Ediçăo, pág. 121).
A Prof.Ş Dora Incontri, pós-doutoranda pela Faculdade de Educaçăo da Universidade de Săo Paulo, defende o caráter cristăo da Doutrina Espírita, apontando na proposta estruturada por Allan Kardec um novo modelo de religiăo, alheio a dogmas, fórmulas, hierarquias sacerdotais e baseado eminentemente no aspecto ético-moral do sujeito. Considera ainda Rousseau e Pestalozzi como os dois grandes precursores da idéia de uma "religiosidade natural" predominantemente moral, e defende que "evidenciou-se com a publicaçăo de O Evangelho segundo o Espiritismo e de O Céu e o Inferno que, embora năo o confessasse, ele [Kardec] estava fazendo uma nova leitura do Cristianismo". (Pedagogia Espírita: um projeto brasileiro e suas raízes histórico-filosóficas, Săo Paulo, Feusp, 2001, pág. 74)
Já o Prof. António Flávio Pierucci, do Departamento de Sociologia da Universidade de Săo Paulo, estudioso da religiosidade brasileira, procura demonstrar que o Espiritismo (Doutrina Espírita) năo é uma religiăo cristă, afirmando que os espíritas utilizam o Cristianismo para se legitimar. Pierucci defende também que o vínculo com a Igreja Católica defendido pelos espíritas serviu, durante décadas, para lutar contra a discriminaçăo e a intolerância. (O Desencantamento do Mundo – Todos os Passos do Conceito, Săo Paulo, Editora 34, 2003)
O Conceito da Biblia
As religiőes de matriz judaico-cristăs entendem que, com a Lei dada a Moisés no Antigo Testamento, Deus interditou ŕ Antiga Israel as comuniçaçőes com o Mundo dos Espíritos e o uso de poderes sobrenaturais por eles concedidos. "... năo haverá no meio de ti ninguém que faça passar pelo fogo seu filho ou sua filha, que interrogue os oráculos, pratique adivinhaçăo, magia, encantamentos, enfeitiçamentos, recorra ŕ adivinhaçăo ou consulte os mortos (necromancia)" (Deuteronômio 18:10-14). Afirmam ainda que essa proibiçăo é confirmada no Novo Testamento, através das referęncias contidas nos Evangelhos e no livro de Atos dos Apóstolos aos "espíritos impuros". A citaçăo do apóstolo Paulo em Gálatas 5:20, afirma que quem pratica "feitiçaria" (ou bruxaria, o termo grego usado é farmakía) ... năo herdará o Reino de Deus". (Na Traduçăo do Novo Mundo das Escrituras Sagradas, o termo é vertido por "espiritismo". Mas esta aplicaçăo da palavra năo se refere especificamente ŕ Doutrina Espírita). É comum encontrar referęncias ao uso do termo Espiritismo para denominar outras doutrinas e cultos que năo sejam aquela codificada por Allan Kardec (Ver o item Diversos usos do termo Espiritismo deste artigo para exemplos).
Já para a Doutrina Espírita, a Bíblia năo condena a prática mediúnica em si, pois esta seria fundamentada em um fenómeno natural, e sim o uso dos recursos mediúnicos para finalidades frívolas. Segundo ela, diversas passagens bíblicas exemplificariam a fenomenologia mediúnica, a exemplo de I Samuel (9:9), 2 Crônicas (16:7), Mateus (17:1-8;12-13) e Joăo (4:1-4).
O diálogo com as religiőes cristăs
A posiçăo oficial da Igreja Católica proíbe terminantemente os seus fiéis assistir a sessőes mediúnicas realizadas ou năo com auxílio de médiuns espíritas - mesmo que estes pareçam ser honestos ou piedosos - quer interrogando os Espíritos e ouvindo suas respostas, quer assistindo por mera curiosidade. Posiçőes similares tęm as demais religiőes cristăs.
No entanto, a Igreja năo nega a possibilidade física de comunicaçăo com entidades espirituais. Em pesquisas recentes, sob a tutela do Papa Joăo Paulo II, o Padre François Brune, publicou no livro Os Mortos nos Falam, defende a realidade das comunicaçőes com os Espíritos. Além disso, principalmente no Brasil, é possível observar uma maior tolerância por parte de muitos leigos católicos ŕs práticas mediúnicas.
Atualmente muitas comunidades evangélicas também tęm procurando manter uma postura respeitosa com relaçăo ao espiritismo, mesmo que discordem de suas práticas, por reconhecer nos trabalhos sociais desenvolvidos pelas casas espíritas uma atividade séria e comprometida. Algumas, inclusive, tęm buscado uma aproximaçăo concreta com as instituiçőes espíritas, seja por meio da realizaçăo de cultos ecumęnicos, seja através do diálogo inter-religioso.
Fenómenos Espíritas e a Cięncia
A investigaçăo dos fatos e causas do fenômeno mediúnico é objecto de estudo pela Pesquisa Psíquica, ramo da parapsicologia (substituindo a metapsíquica), que tem como interesse fundamental a averiguaçăo da ocorręncia dos aludidos factos. Vęm fazendo-se investigaçăo séria e cięntifica, e por vezes, a nível universitário. Também, a Doutrina Espírita utiliza uma metodologia científica própria.
Para além, dos aspectos doutrinais, existe uma diversidade de práticas que vęm suscitando uma crescente curiosidade - a ectoplasmia, psicoquinesia, levitaçăo, telepatia, clarividęncia, pré-cogniçăo, via onírica (sonhos), a psicografia, arte mediúnica, medicina e cirúgia mediúnica, radiestesia e rabdomancia.
Kardec, no preâmbulo de O que é o Espiritismo, afirma que o espiritismo "é uma cięncia que trata da natureza, origem e destino dos Espíritos, bem como de suas relaçőes com o mundo corporal". Dentro dessa perspectiva, Kardec teria fundado a "Cięncia Espírita", tendo como objecto o espírito e toda a ordem de fenômenos que a ele dizem respeito. Na Revista Espírita, que publicou até sua morte, analisa vários relatos de fenômenos aparentemente mediúnicos ou sobrenaturais oriundos de diversas partes do mundo. Esmerava-se por distinguir os acontecimentos que considerava verossímeis de charlatanismo e da simples imaginaçăo superexcitada.
O Espiritismo no Brasil
Divulgado em praticamente toda a Europa no século XIX, o Espiritismo chegou ao Brasil em 1865. Hoje, o País é o que reúne o maior número de espíritas em todo o mundo. A Federaçăo Espírita Brasileira – entidade de âmbito nacional do Movimento Espírita – congrega aproximadamente dez mil Instituiçőes Espíritas, espalhadas por todas as regiőes do País. Atualmente, o Brasil possui 2,3 milhőes de espíritas, de acordo com o Censo 2000, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Terceiro maior grupo religioso do País, os espíritas săo, também, o segmento social que tęm maior renda e escolaridade, segundo os dados do mesmo Censo. Os espíritas tęm sua imagem fortemente associada ŕ prática do bem e da caridade. Eles mantęm em todos os Estados brasileiros asilos, orfanatos, escolas para pessoas carentes, creches e outras instituiçőes de assistęncia e promoçăo social. Allan Kardec, o Codificador do Espiritismo, é uma personalidade bastante conhecida e respeitada no Brasil. Seus livros já venderam mais de 20 milhőes de exemplares em todo o País. Se forem contabilizados os demais livros espíritas, todos decorrentes das obras de Allan Kardec, o mercado editorial brasileiro espírita ultrapassa 4.000 títulos já editados e mais de 100 milhőes de exemplares vendidos.
Federaçăo Espírita Brasileira
A Federaçăo Espírita Brasileira foi fundada em 2 de janeiro de 1884, no Rio de Janeiro (Rio de Janeiro). Em 2004 completou 120 anos. É uma sociedade civil, religiosa, educacional, cultural e filantrópica, que tem por objeto o estudo, a prática e a difusăo do Espiritismo em todos os seus aspectos, com base nas obras da Codificaçăo de Allan Kardec e no Evangelho de Jesus. O Departamento Editorial da FEB possui um catálogo de mais de 400 títulos que totalizam 39 milhőes de livros vendidos. Todos inspirados na Codificaçăo Kardequiana: romances, mensagens, contos, crônicas, textos científicos e filosóficos, além de CD-ROMs, vídeos, apostilas e CDs de cançőes espíritas.
http://pt.wikipedia.org
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