
Felizmente, todos nós vivemos em um país governado pela lei. O nosso processo democrático pode ainda estar longe do ideal e grupos de interesses diversos influenciam o processo de criação das leis, mas, de forma geral, sentimos que não somos governados pela “lei do mais forte” e que podemos recorrer a um conjunto de leis razoavelmente estáveis para nos proteger dos abusos ou contra alguma violência.
Por este motivo temos uma noção geral de que as leis são corretas e que devem ser obedecidas. Mas ao contrário do que possa parecer à primeira vista, o conjunto de leis que nos governam está sempre em constante mutação, as leis de hoje são infinitamente superiores às leis que nos governavam a séculos atrás e com certeza esta lei de hoje será substituída quase que totalmente no futuro por um conjunto de leis muito melhores do que as que possuímos agora, numa evolução natural que acompanha a evolução moral do homem.
Para verificar como as nossas leis estão em constante mutação, sempre para melhor, basta olharmos para o passado recente em nosso país e também em outras regiões do mundo que consideramos como mais “civilizadas” em que a lei determinava a segregação racial e permitia a escravidão, sem contar as leis criadas em períodos de conflito que obrigaram pacifistas a assassinarem seus irmãos na guerra e até determinaram que raças inteiras fossem exterminadas em campos de concentração.
As leis quando justas funcionam como um freio às nossas más tendências e conforme evoluem a sociedade e o homem, novas regras precisam ser criadas para impulsionar este homem no sentido de que se torne melhor. Com a evolução moral da humanidade, leis que cobram cada vez mais um comportamento menos agressivo e mais solidário vão se tornando possíveis de serem cumpridas e outras leis mais antigas que proibiam alguns atos de barbárie mais absurdos se tornam quase que desnecessárias.
Para o homem de bem, que age motivado pelo amor ao próximo, a obediência às leis justas é natural e quase sempre acontece sem que ele nem mesmo precise conhecer a lei. Por mais ignorante que seja das leis humanas, seja por possuir baixíssima escolaridade ou viver em um local afastado ou ainda por ter sido criado num círculo de pessoas ignorantes, um homem de bem obedecera naturalmente por exemplo a proibição de matar, roubar, agredir, enganar, mentir etc. Na verdade, um homem de bem quando começa a estudar o conteúdo das leis fica impressionado com a quantidade de proibições a atos que ele nunca imaginou que alguém seria capaz de cometer.
Mas e Jesus, nosso exemplo maior de conduta no caminho do bem, como ele se portou diante das leis humanas de dois mil anos atrás?
A elevação espiritual de Jesus foi colocada à prova muitas vezes no curto espaço de tempo em que se dedicou a nos trazer o seu evangelho, sendo que foram até mesmo armadas ciladas para tentar faze-lo cair em contradição. Podemos verificar que Jesus mostrou-se submisso à lei daqueles tempos em todas as ocasiões em que a desobediência à lei poderia lhe trazer alguma vantagem. Quando questionado se deveriam pagar os impostos aos romanos Jesus disse: “a Cesar o que é de Cersar”, quando preso acusado injustamente Jesus se recusou a fugir da lei, se recusou também a permitir que seus discípulos lutassem pela sua liberdade dizendo a Pedro: “Põe a tua espada na bainha”, quando acusado pelos sacerdotes Jesus se recusou a debater e argumentar em defesa de sua liberdade se sujeitando pacificamente ao processo e às leis injustas.
Ao mesmo tempo em que se sujeitou pacificamente a todas as leis que poderiam lhe prejudicar pessoalmente, Jesus também se mostrou um questionador da lei em todas as ocasiões em que a lei daqueles tempos se mostrava injusta contra as outras pessoas. Jesus impediu o apedrejamento da mulher adultera lembrando que a multidão furiosa também não estava livre de pecados, afrontando a lei daqueles tempos sem se utilizar de nenhuma violência. Também violou a lei que proibia o trabalho aos sábados para efetuar curas, mostrando que a lei pode e deve ser questionada não só para impedir um mal mas também quando nos impede de fazer o bem.
Já nós no nosso dia-a-dia infelizmente estamos acostumados a fazer justamente o contrário, nós resistimos a obedecer leis que trazem um “prejuízo” pessoal. Um exemplo bem comum é a nossa relutância em pagar impostos, que nos tempos de hoje não são enviados para satisfazer o luxo de um imperador distante e são utilizados na verdade (bem ou mal) para o nosso próprio proveito, financiando desde o exército e a polícia que garantem a nossa segurança, passando pelo corpo de bombeiros, a vigilância sanitária e até o asfalto em frente à nossa casa. Resistimos também contra lei quando esta nos traz um prejuízo até mesmo quando reconhecemos que estamos errados, quantos empresários autuados com uma multa aplicada em algum tipo de fiscalização aceitam a punição sem tentar nenhum recurso? E até mesmo quando acusado por um crime e se reconhecendo culpado, qual réu não tenta escapar da punição de todas as maneiras possíveis?
Mas quando a lei traz um prejuízo para o nosso semelhante a nossa postura costuma ser bem diferente, quando vemos por exemplo serem despejadas famílias humildes que ocupam um terreno realmente por não terem para onde ir, mesmo sem estarem participando de nenhum movimento ideológico, nossa reação costuma ser do tipo: “fazer o que? É a lei...”. Em tantas ocasiões diferentes flagramos a injustiça contra nossos irmãos e até nos sétimos indignados, mas nossa reação quase nunca passa disso, nossa disposição para lutar para que se faça justiça pelos outros é muito menor do que a nossa disposição para lutar em nosso próprio favor contra a justiça mesmo quando reconhecemos que estamos errados.
Precisamos aprender a encarar as leis de uma maneira um pouco diferente do que estamos acostumados, com um olhar mais crítico e até mesmo questionador. Mas ao invés de decidirmos apressadamente se devemos ou não obedecer a uma determinada lei, devemos investigar pacientemente cada lei e até mesmo cada regra de conduta e cada costume da sociedade e tentar descobrir dentro de cada um destes os seus fundamentos morais e a justiça contida na sua lógica. Nos baseando nos princípios cristãos da solidariedade e do amor ao próximo logo perceberemos se estas regras são justas ou injustas, lembrando que por mais ilógica que pareça à primeira vista, quase sempre existe um princípio moral justo em cada lei e nossa revolta contra determinadas regras provém quase sempre da ignorância deste princípio e do bem maior que uma determinada norma traz para a coletividade.
Também precisamos aos poucos tentar imitar Jesus, um mínimo que seja, no seu comportamento em relação às leis. Não devemos nos revoltar facilmente contra as normas que nos trazem prejuízo pessoal, confiando sempre que a mais cedo ou mais tarde a justiça divina sempre prevalece. Ao mesmo tempo quem sabe também consigamos aprender a ter a coragem de nos expor e questionar ou desobedecer a uma lei que traga prejuízo não a nós mesmos mas ao nosso próximo, lutando contra a injustiça que oprime o próximo e esquecendo um pouco dos nossos próprios interesses. Gandhi, o pacifista que libertou a Índia da dominação pelo império britânico, como um verdadeiro cristão, dizia que o homem realmente corajoso não é aquele que ataca com violência e foge, mas sim aquele que tem coragem de desobedecer à lei injusta e ficar para sofrer as consequências.
Nenhum comentário:
Postar um comentário