Autor: ALLAN KARDEC
Muitas comunicações nos foram enviadas por diferentes
grupos, quer nos pedindo conselho e julgamento de suas tendências,
quer, da parte de alguns, na esperança de as verem publicadas na
Revista.
Todas nos foram entregues com a faculdade de delas dispor como melhor entendêssemos para o bem da causa.
Fizemos
o seu exame e classificação e esperamos que ninguém haja de se
surpreender ante a impossibilidade de inseri-las todas, considerando-se
que, além das já publicadas, há mais de três mil e seiscentas
que, sozinhas, teriam absorvido cinco anos completos da Revista, sem
contar um certo número de manuscritos mais ou menos volumosos, dos quais
falaremos adiante.
A apreciação crítica deste exame nos fornecerá matéria para algumas reflexões, que cada um poderá tirar proveito.
Em
grande número encontramo-las notoriamente más, no fundo e na forma,
evidente produto de Espíritos ignorantes, obsessores ou mistificadores e
que juram pelos nomes mais ou menos pomposos com que se revestem.
Publicá-las teria sido dar armas à crítica. Circunstância
digna de nota é que a quase totalidade das comunicações dessa categoria
emana de indivíduos isolados, e não de grupos.
Só a fascinação os poderia levar a tomá-las a sério e
impedir que vissem o lado ridículo. Como se sabe, o isolamento favorece a
fascinação, ao passo que as reuniões encontram controle na pluralidade
das opiniões.
Todavia, reconhecemos com prazer que as comunicações dessa natureza formam, na massa, uma pequena minoria.
A maioria das outras encerra bons
pensamentos e excelentes conselhos, sem significar que todas devam ser
publicadas, e isto pelos motivos que vamos expor.
Os bons Espíritos
ensinam mais ou menos a mesma coisa em toda parte, porque em toda parte
há os mesmos vícios a reformar e as mesmas virtudes a pregar.
Eis um dos caracteres distintivos do Espiritismo; muitas vezes a diferença está apenas na correção e elegância do estilo.
Para apreciar as comunicações, tendo em conta a publicidade,
não se deve considerá-las de seu ponto de vista, mas do do público.
Compreendemos a satisfação que se experimenta ao obter algo
de bom, sobretudo quando se começa, mas além do fato de que certas
pessoas podem ter ilusão sobre o mérito intrínseco, não se pensa que em
cem outros lugares se obtêm coisas semelhantes, e o que é de poderoso
interesse individual pode ser banalidade para a massa.
Além
disso, é preciso considerar que, de algum tempo para cá as comunicações
adquiriram, em todos os aspectos, proporções e qualidades que deixam
muito para trás as que eram obtidas há alguns anos.
Aquilo que então era admirado parece pálido e mesquinho
junto ao que se obtém hoje. Na maioria dos centros realmente sérios, o
ensino dos Espíritos cresceu com a compreensão do Espiritismo.
Desde que por toda parte são recebidas instruções mais ou
menos idênticas, sua publicação poderá interessar apenas sob a condição
de apresentar qualidades adicionais, como forma ou como alcance
instrutivo.
Seria, pois, ilusão crer que toda mensagem deve encontrar leitores numerosos e entusiastas.
Outrora, a menor conversa espírita era uma novidade que
atraía a atenção; hoje, que os espíritas e os médiuns não se contam
mais, o que era uma raridade é um fato quase banal e habitual, e que foi
distanciado pela vastidão e pelo alcance das comunicações atuais, assim
como os deveres do escolar o são pelo trabalho do adulto.
Temos
à vista a coleção de um jornal publicado no princípio das manifestações
sob o título de A Mesa Falante, característico da época. Diz-se que o
jornal tinha de 1.500 a 1.800 assinantes, cifra enorme para a época.
Continha uma porção de pequenas conversas familiares e fatos mediúnicos que, então, atraíam profundamente a curiosidade.
Aí procuramos em vão alguma coisa para reproduzir em nossa
Revista; tudo quanto tivéssemos colhido seria hoje pueril e sem
interesse.
Se o jornal não tivesse desaparecido, por
circunstâncias que não vêm ao caso, só poderia ter vivido com a condição
de acompanhar o progresso da ciência e, se reaparecesse agora nas
mesmas condições, não teria cinqüenta assinantes.
Os espíritas são imensamente mais numerosos do que então, é
verdade; mas são mais esclarecidos e querem um ensinamento mais
substancial.
Se as comunicações não emanassem senão de um único
centro, sem dúvida os leitores se multiplicariam em razão do número de
adeptos.
Mas não se deve perder de vista que os focos que as produzem
se contam aos milhares e que por toda parte onde são obtidas coisas
superiores não pode haver interesse pelo que é fraco ou medíocre.
Não falamos assim para desencorajar as publicações; longe disso.
Mas para mostrar a necessidade de uma escolha rigorosa, condição sine qua non do sucesso.
Aprofundando os seus ensinamentos, os Espíritos nos tornaram mais difíceis e mesmo exigentes.
As publicações locais podem ter imensa utilidade, sob duplo
aspecto: espalhar nas massas o ensino dado na intimidade e mostrar a
concordância que existe nesse ensino sobre diversos pontos. Aplaudiremos
isto sempre e os encorajaremos toda vez que forem feitas em boas
condições.
Antes de mais, convém dela afastar tudo quanto, sendo de
interesse privado, só interessa àquele que lhe concerne; depois, tudo
quanto é vulgar no estilo e nas idéias, ou pueril pelo assunto.
Uma
coisa pode ser excelente em si mesma, muito boa para servir de instrução
pessoal, mas o que deve ser entregue ao público exige condições
especiais.
Infelizmente o homem é propenso a imaginar que tudo o que lhe agrada deve agradar aos outros.
O mais hábil pode enganar-se; o importante é enganar-se o menos possível.
Há Espíritos que se comprazem em fomentar essa ilusão em
certos médiuns; por isso nunca seria demais recomendar a estes últimos
que não confiassem em seu próprio julgamento.
É nisto que os grupos são úteis: pela multiplicidade de
opiniões que eles permitem colher. Aquele que, neste caso, recusasse a
opinião da maioria, julgando-se mais iluminado que todos, provaria
sobejamente a má influência sob a qual se acha.
Aplicando esses princípios de ecletismo às comunicações que nos são enviadas, diremos que em 3.600
há mais de 3.000 que são de moralidade irreprochável, e excelentes como
fundo; mas que desse número nem 300 merecem publicidade e apenas 100
têm mérito fora do comum.
Como essas comunicações vieram de muitos pontos diferentes, inferimos que a proporção deve ser mais ou menos geral.
Por aí pode julgar-se da necessidade de não
publicar inconsideradamente tudo quanto vem dos Espíritos, se quisermos
atingir o objetivo a que nos propomos, tanto do ponto de vista material
quanto do efeito moral e da opinião que os indiferentes possam fazer do
Espiritismo.Resta-nos dizer algumas palavras sobre
manuscritos ou trabalhos de fôlego que nos remeteram, entre os quais não
encontramos, em trinta, mais que cinco ou seis de real valor.
No mundo invisível, como na Terra, não faltam escritores, mas os bons são raros.
Tal Espírito é apto a ditar uma boa comunicação isolada, a
dar excelente conselho particular, mas incapaz de produzir um trabalho
de conjunto completo, passível de suportar um exame, sejam quais forem
suas pretensões e o nome com que se disfarce como garantia. Quanto mais
alto o nome, maior o cuidado.
Ora, é mais fácil tomar um nome que justificá-lo; eis por
que, ao lado de alguns bons pensamentos, encontram-se, muitas vezes,
idéias excêntricas e traços inequívocos da mais profunda ignorância.
É nessas modalidades de trabalhos mediúnicos que temos notado mais sinais de obsessão, dos
quais um dos mais freqüentes é a injunção por parte do Espírito de os
mandar imprimir; e alguns pensam erradamente que tal recomendação é
suficiente para encontrar um editor atencioso que se encarregue da
tarefa.
É principalmente em semelhante caso que um exame
escrupuloso é necessário, se não nos quisermos expor a fazer discípulos à
nossa custa.
É, ainda, o melhor meio de afastar os Espíritos presunçosos e
pseudo-sábios, que se retiram inevitavelmente quando não encontram
instrumentos dóceis a quem façam aceitar suas palavras como artigos de
fé.
A intromissão desses Espíritos nas comunicações é, fato conhecido, o maior escolho do Espiritismo.
Toda precaução é pouca para evitar as publicações lamentáveis.
Em tais casos, mais vale pecar por excesso de prudência, no interesse da causa.
Em suma, publicando comunicações dignas de interesse, faz-se uma coisa útil.
Publicando as que são fracas, insignificantes ou más, faz-se
mais mal do que bem. Uma consideração não menos importante é a da
oportunidade.
Algumas há cuja publicação seria intempestiva e, por isso mesmo, prejudicial. Cada coisa deve vir a seu tempo.
Várias das que nos são dirigidas estão neste caso e, conquanto muito boas, devem ser adiadas.
Quanto às outras, acharão seu lugar conforme as circunstâncias e o seu objetivo.
FONTE: (Texto de Allan Kardec, transcrito de Revue Spirite, maio de 1863).
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