A infância é caracterizada por duas qualidades especiais, que são a inocência e a liberdade.
Embora o espírito, em si mesmo, tenha experienciado muitas existências corporais, o estado de infância é de aquisição de conhecimentos, de superação de conflitos antigos, de preparação para o esquecimento.
Nessa fase, em que o processo da reencarnação se faz em maior profundidade, muitas lembranças pairam nebulosas na área do inconsciente, que lentamente se vão apagando, a fim de facultar a aquisição de novos e valiosos recursos para o autocrescimento moral e intelectual.
No período infantil, por isso mesmo, instalam-se os pródomos dos futuros conflitos que aturdem a criatura humana nas diferentes etapas de desenvolvimento psicológico, se a verdadeira afetividade e respeito pelo ser em formação não se fizerem presentes.
Herdeiro das próprias realizações, o Eu superior renasce em conjunturas sociais, econômicas, orgânicas e psíquicas a que faz jus ante os Soberanos Códigos da Divina Justiça, face ao comportamento vivenciado nas reencarnações anteriores.
Desde o momento em que mergulha nos fluidos mais densos do corpo físico, imprimem-se-lhe os impositivos do processo de evolução, dando curso ao restabelecimento do equilíbrio que se descompensou anteriormente. A pouco e pouco, o encontro ou o reencontro com o grupo familiar, no qual deverá construir a harmonia pessoal e a do clã, produz injunções predisponentes ao êxito ou ao fracasso, conforme lhe pesem na consciência os débitos morais pelos quais se sente responsável.
Por isso dispõe de um largo período de infância - o mais longo entre todos os animais - a fim de que se fixem os fatores que se irão transformar em condições próprias da existência corporal.
Quando renasce num ninho de paz, mais facilmente se lhe estruturam as perspectivas de triunfo, face às cargas emocionais de tranquilidade e amor com que as robustece, podendo seguir sob o amparo e, ao mesmo tempo, liberdade.
Em situações opostas, o martírio se lhe insculpe no inconsciente em expressões de ressentimento e medo, ódio e humilhação, perdendo o sentido elevado da existência, pela qual se desinteressa, fugindo para estados mórbidos da personalidade.
Pais irresponsáveis, perversos e castradores - doentes emocionalmente que são - inseguros de si mesmos, quase sempre descarregam os sentimentos destrutivos nos filhos incapazes de defender-se, traumatizando-os de maneira quase irreversível.
Agressões verbais e físicas constantes, através de expressões chulas e ofensivas, surras e punições outras por mônadas, bem como violências sexuais, irão constituir o infortúnio existencial daqueles que se lhes tornam vítimas indefesas.
Normalmente, quem assim age, punindo, estuprando, violentando, transfere do seu passado próximo os próprios sofrimentos que lhes pareceram injustos, e os atingiram com represálias de outrem, nesse gerando por sua vez medo e rancor, frustração sexual e insegurança. Torna-se um verdadeiro círculo vicioso de infelicitações.
Não tendo condições psicológicas para enfrentar a fragilidade pessoal interna, faz-se algoz dos filhos, através de cujo comportamento adquire poder - força de dominação - e amor desequilibrado.
A agressão física à criança é também uma forma de estupro sexual, por ocultar um conflito de desejo e de ódio, de necessidade e desprezo.
A criança - masculina ou feminina - vitimada pela ocorrência do estupro sexual, permanecerá profundamente marcada pelo sentimento de humilhação a que foi submetida, perturbando-se no desenvolvimento da própria sexualidade, que se lhe apresentará como mecanismo afligente, empurrando-a a partir desse momento e quase sempre, para uma conduta desequilibrada.
A eleição do comportamento sexual torna-se-lhe muito difícil, por não saber discernir qual a opção correta para uma existência saudável, porquanto teve os sentimentos violentados no período mais significativo do desenvolvimento das aptidões que devem manter a harmonia entre a anatomia física e a função psicológica desestabilizada.
Sentindo-se usurpada no seu direito de escolha, anula emocionalmente, a função sexual, que lhe causou o tormento, vivendo sem experienciar o prazer nem a emoção elevada que a comunhão saudável com o seu parceiro deveria proporcionar.
O sentimento de vergonha estará sempre presente, assinalando o seu desenvolvimento e conspirando contra o seu equilíbrio emocional.
Somente através de uma psicoterapia muito cuidadosa, na qual o perdão desempenhará um papel preponderante, essencial, é que se conseguirá restabelecer a integridade do indivíduo, reajustando-lhe a personalidade fissurada pelos golpes das agressões sofridas.
A infância é, sem dúvida, o período experimental para a construção de um comportamento espontâneo, sinalizado pela alegria de viver e pela disposição para crescer, desenvolvendo todos os valores que dormem no âmago do ser.
Texto extraído do livro “Encontro com a Harmonia”
Nenhum comentário:
Postar um comentário