Arma de alto teor mortífero é a murmuração dos intrigantes. Ela não silencia, porque os seus autores se comprazem em malsinar todos quantos lhes são antipáticos, aversão essa que nasce da própria inferioridade por não os poder superar no palco infeliz das sórdidas competições.
Põem-se em vigília permanentemente e filtram todos os acontecimentos através das suas lentes sombreadas de perversidade. Dão início às redes de intrigas, são hábeis na arte de confundir e de alterar palavras, possuindo incomum capacidade para discutir vãmente, porque são preguiçosos para o trabalho, e não possuindo idealismo legítimo se aglomeram em torno dos verdadeiros combatentes, para serem vistos e aclamados, tornando-se-lhes rudes provocações.
Nem mesmo Jesus escapaou-lhes à sanha. Sempre estiveram à Sua volta, tentando espizinhá-lo, deturparem as Suas informações, e colhê-lo em algum item que o lançasse contra a Lei e os doutos astutos.
A seara é grande e os obreiros dispostos para trabalhá-la ainda são poucos. Ele terá que fazer tudo: encontrar o solo, prepará-lo, nele semear, cuidar no período de germinação para que as pragas não causem danos e seguir o crescimento das plântulas até que se robusteçam, tornando-se ricas de flores e doando frutos em abundância.
Os caminhos são longos e difíceis de ser vencidos. As multidões se revezam e os tumultos não cessam.
Em menos de três anos Ele percorreu aqueles sítios áridos, passando pela Galiléia várias vezes, de um a outro ponto; depois visitou a Jerusalém despótica por diversas ocasiões, especialmente para ver o lugar onde deveria ser executado; alongou os Seus passos pelas longínquas regiões de Tito e Sídon, na fronteiriça Fenícia; nas barcas enfunadas atravessou o lago de mais de dez quilômetros de largura e alcançou a Decápole, a Batanéia, conseguindo levar a voz e o exemplo à Cesaréia de Felipe.
Nunca repousava. O tempo, que urgia, voava ao Seu lado, que o ultrapassava em atividades ininterruptas.
As batalhas são cruéis e as armas que usavam os Seus inimigos gratuitos - os permanentes adversários da Humanidade - são a traição e a infâmia, o suborno dos sentimentos e a mentira, que se espalham como rastilhos de pólvora e são do agrado de todos quantos as aceitam.
A Sua fama precede-O e Ele não tem o direito a pouso de paz nem o repouso da recuperação, senão nos grandes silêncios com Deus.
Estando em Caná, após o fenômeno da transformação da água em vinho, a pedido da Sua Mãe, um régulo O alcançou, e porque o filhinho estivesse vitimado por enfermidade mortal, em estado desesperador, suplicou-lhe:
- Senhor, desce o mais depressa possível, antes que meu filho morra.
Penetrando o abismo da consciência humana com a Sua acuidade incomum, Ele percebe o amor desse pai angustiado e perscruta da enfermidade do filho, a fim de não infringir a Lei de Causa e Efeito, e diz-lhe com misericórdia:
- Vai, O teu filho vive.
Uma explosão de júbilo, dança na alma do genitor aflito que corre de retorno ao lar, para conferir a bênção de que foram objeto, ele e a sua família.
E porque seguisse na direção de Cafarnaum, à entrada da cidade, um leproso em desespero reconhece-O e grita em prantos.
- Se queres, podes limpar-me!
É mçais um desafio. Os que o seguem se detêm observando. É sempre a mesma sociedade que quer ver sem cessar, até a exaustão, sempre insatisfeita e duvidosa.
Um sentimento de profunda misericórdia domina o Mestre, e Ele, tocando o enfermo responde, complacente:
- Quero.
Num átimo, como se um raio fendesse a claridade do dia alcançando o enfermo, curou-o.
Sem poder dominar-se o homem canta e exalta-O, no que vai repreendido, silenciando, para prosseguir narrando o feito, logo que se encontra distante do Seu Autor.
Cafarnaum estava esplendente de luz e movimentação.
A chegada do Rabi provoca alteração expressiva no seu lufa-lufa cotidiano. Embora Ele tentasse passar discreto, isso era impossível ali, como se daria em outros lugares.
Desse modo, como era do Seu hábito, ao amanhecer, pôs-se a pregar para a multidão na proa do barco de Pedro.
Encerrando o discurso iluminativo, disse ao Filho de Jonas:
- Faze-te ao largo e lança as redes (*)
O hábil pescador, que conhecia profundamente o seu ofício, e percebendo a impropriedade da proposta, redargue:
- Senhor, havendo trabalhado toda a noite, não apanhamos um só peixe, porque as circunstâncias são adversas à pescaria, face ao aspecto das águas; às condições atmosféricas pesadas.
Ele, porém, insiste:
- Faze-te ao largo.
Não há outra alternativa, senão obedecer. Entretanto, esclarece:
- Sob Tua palavra, tentarei, Mestre, conquanto todos saibam que vou praticar um ato incompreensível a qualquer pescador.
Pedro remou com desconfiança e rebeldia, e atirou as redes às águas encrespadas.
Imediatamente começou a gritar, solicitando auxílio aos amigos que se encontravam em outro barco e correram na direção, deslizando rapidamente sobre as ondas.
Reunidos, notaram ao peso das redes, que mal podiam puxar, conseguindo repletar ambos os barcos com peixes.
Chegando à praia, ainda em aturdimento, Simão gritou, atemorizado:
- Senhor, ausenta-te de mim, que sou um pescador.
Mas, Ele, porém, misericordioso e sábio, elucidou:
- Não temas, Simão; de agora em diante, serás pescador de homens!
Agora, nada mais poderá deter a marcha da evolução. Ele não mais evitará que sejam anunciados os Seus feitos, nem comentadas as Suas ações.
A luz veio para clarear o mundo em sombras. Era a Luz que resplandece através dos milênios e não O souberam aceitar. Mas a Luz permaneceu e ressurge sempre esbatendo as sombras interiores e anunciando o Grande e Maravilhoso Dia da felicidade geral.
Os déspotas, os perversos, os ignóbeis, os bajuladores e os subservientes, os exploradores e aproveitadores do povo ignorante, os dominadores de um dia passaram, foram substituídos, odiados e esquecidos, enquanto Ele, perseguido e malsinado, obstinadamente rejeitado, prossegue chamando os homens e as mulheres à renovação.
A partir daqueles momentos, nunca mais permanecerá muito tempo em algum lugar, estará sempre mudando de caminho e praias, aportando junto aos destroçados corações.
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(*) Mateus: 8 - 1 a 13; Lucas: 5 - 1 a 9.
obra: Até o Fim dos Tempos.
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