“932. Por que, no mundo, tão amiúde a influência dos maus sobrepuja a dos bons?”
“Por fraqueza destes. Os maus são intrigantes e audaciosos, os bons são tímidos. Quando estes o quiserem, preponderarão.”
Conheço gente que pensa serem o bem e o mal duas forças antagônicas e de igual poder que vivem em eterna luta. É a visão maniqueísta, sobre a qual já falei no livro Inquietações de um espírita.
É equivocado achar que o bem e o mal têm igual potência. O mal é somente a ausência do bem. Só isso. Quando o bem chega, o mal bate em retirada. É como a escuridão: ao acendermos uma luz, um fósforo que seja, a escuridão perde a força. Se a rua está às escuras e acendemos a luz do quarto, não é a escuridão que entra pela janela, é a luz que sai por ela.
Para quem acha que estou sendo um tanto piegas, vamos a exemplos com mais sustança, como dizem os antigos.
O livro Libertação, do espírito André Luiz, psicografia de Chico Xavier, mostra um vasto local de baixíssima vibração espiritual comandado por uma entidade astuta, mas profundamente infeliz, porque se mostra enredada em planos de ódio e vingança. Para pô-los em prática, comanda diversos espíritos igualmente infelizes, que cumprem suas ordens, atuando sobre o psiquismo de várias criaturas encarnadas. A equipe da qual André Luiz faz parte inicia, então, com amor, coragem e paciência, uma plano que aos poucos vai conduzindo aquelas almas à redenção de si mesmas pelo trabalho de reerguimento moral. Ao final do livro, a mãe do, digamos, chefe do bando aparece, esplendorosa, nimbada de luz para buscar o filho, que não a encontrava havia muito tempo, visto que, tão logo desencarnou, se deixou levar por sentimentos inferiores. Ele, então, emocionado ante a presença da mãe, deixa cair toda a máscara de crueldade, revela-se frágil, carente, a mãe o leva embora e a luz do bem se faz presente, inundando o lugar de paz. O bem não foi tímido, foi audacioso, trabalhou de forma diligente e o mal se dissipou.
Outro ótimo exemplo está no livro Sexo e Obsessão, de Manoel Philomeno de Miranda, psicografia de Divaldo P. Franco. No livro, o Marquês de Sade (sim, ele mesmo!), espírito altamente vinculado ao sexo vicioso – tanto que a palavra sadismo deriva de seu nome – embora séculos depois de sua morte, é também surpreendido, no plano espiritual, pela presença da mãe. E com o concurso dos amigos espirituais (sim, eles mesmos!), é iniciado um processo de redenção daquela alma, pois o bem sempre vence.
Assim também deve ser conosco. Somos de fato muito tímidos quando nos defrontamos com o mal. E não estou falando do mal enorme, simbolizando por um vampiro, uma assombração ou coisa que o valha. Tampouco estou falando do bem em grandes proporções. Aliás, precisamos parar de achar que bem e mal são coisas de grandes escalas. Também são, mas podem estar presentes igualmente nas pequenas ações do dia a dia.
É curioso esse dado do ser humano. Achar que para fazer o bem é necessária grande soma em dinheiro, feitos grandiosos etc. Conheço gente que diz ter o sonho de construir um hospital se ganhasse na loteria. De fato é um sonho louvável, mas enquanto isso, os bancos de sangue vivem vazios, suplicando por doadores, e quase ninguém aparece para doar sangue. Por essa razão, o mal, representado por doentes necessitados e por baixos estoques de sangue, prospera. E prospera por quê? Por fraqueza dos bons, traduzida em preguiça, falta de interesse, medo da agulha... E eu falo isso de cadeira, pois sou doador de sangue.
Fiz meu primeiro curso universitário à noite no Rio de Janeiro, morando em Petrópolis. À época (1988 a 1992), os ônibus Rio-Petrópolis-Rio não possuíam ar condicionado. Nos dias quentes, era necessário abrir a janela para refrescar o ambiente. Só que havia janelas que não eram janelas, eram vidros fixos. Quem viaja muito em ônibus interurbanos sabe que, dependendo da poltrona comprada, senta-se ao vidro, e não à abertura da janela. Eu, como viajava sempre, já sabia quais assentos eram janelas e quais eram vidros.
Certa vez, num dia quente de verão, cheguei cedo à Rodoviária Novo Rio e comprei janela. Fui então lanchar. Quando embarquei no ônibus, havia um homem sentado no assento de janela que eu havia comprado. Em suma, ele comprou um assento que era no vidro, e não na abertura da janela, e sentou-se no meu lugar. Ele, então, de forma autoritária, despachando-me, disse para que eu sentasse no lugar dele, que era janela também. Eu sabia que não era, mas por covardia moral sentei-me e vim emburrado para casa, julgando-me o homem mais tolo do mundo. Não havia sido corajoso para lutar pelo direito de sentar no assento que eu havia escolhido. Deixei o mal, representado por um sujeito folgado e arrogante, me vencer.
O tempo passou, fui pegando idade, estudando a Doutrina Espírita e aprendendo a não ser omisso ante o mal nosso de cada dia. Por várias vezes, vi-me em situações parecidas com a que relatei e fiz, com educação e força moral, valerem os meus direitos.
Um belo exemplo aconteceu quando eu esperava para atravessar a rua na faixa de pedestres e um carro só faltou passar por cima de mim para estacionar... na faixa de pedestres! Como logo atravessei a rua, acabei não me manifestando, mas passei a ficar atento ao fato. Tempos depois, estava eu esperando para atravessar no mesmo local quando chegou um carro, encostou mais à frente e começou a dar marcha a ré para estacionar na faixa, onde eu aguardava para, no meu direito, atravessar a rua. Não arredei pé de onde estava. Fiz o motorista desistir de estacionar na faixa e sair em busca de outra vaga. Senti-me vitorioso; o mal da falta de respeito aos direitos do próximo na via pública havia sido derrotado por mim. Fiz valer o meu direito e o de muitos pedestres.
Em 2005, estava em Brasília, quando tive a oportunidade de assistir ao seminário Diretrizes para uma vida feliz, ministrado pelo médium e tribuno baiano Divaldo Pereira Franco. Foi um seminário de dois dias (sábado e domingo à tarde). No domingo de manhã, foi promovido um bate-papo de Divaldo com dirigentes dos centros espíritas da região, do qual também participei.
Uma das perguntas feitas a Divaldo versou justamente sobre se devemos ou não chamar atenção de algum companheiro de centro espírita que está fazendo algo errado. Divaldo disse que sim. Se a pessoa está errada, deve-se chamar-lhe atenção, claro que com respeito e carinho, mas precisa realmente ser advertida, a fim de não continuar cometendo o mesmo erro. – E se ela ficar chateada? – perguntou alguém. Resposta de Divaldo: – Se ela ficar chateada é problema dela. O que não podemos é deixar o mal triunfar por receio nosso.
Ele, então, aproveita a deixa e conta que, certa vez, depois de uma série de palestras, estava na fila do check in do aeroporto, a fim de voltar para Salvador, onde mora. Veio, então, um sujeito e furou a fila, postando-se à frente de Divaldo que então disse: – O senhor furou a fila. O homem retrucou: – Ah, mas eu estou com pressa. Divaldo rebateu: – As outras pessoas também. Foi por isso que elas chegaram antes do senhor. Qual é o seu destino? O homem respondeu: – Salvador. Divaldo finalizou: – O meu também. Por favor, para o fim da fila.
O homem então não teve alternativa a não ser procurar o fim da fila e lá esperar a sua vez.
Finalizando, Divaldo disse uma frase que nunca mais esquecerei e que levo comigo até hoje, a fim de fazer valer meus direitos e não ser omisso diante do mal: – Não confundam falta de energia com bondade.
Espero de coração que você, que lê estas linhas, tenha essa frase sempre em mente e não deixe prosperar o mal presente nas pequenas coisas do dia a dia.
Fonte: Casa Editora O Clarim
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