Desde criança, me intrigava muito ouvir falar da Paixão de Cristo. Como quase todo mundo, associava a paixão ao sentimento que se nutre por outra pessoa e que nos transforma em seres apaixonados. Mas, a de Cristo era outra paixão, era dor, era cruz, era morte. Quando cresci, consultei o dicionário, o famoso "Aurélio", que explicava que paixão é um sentimento de apego levado a um alto grau de intensidade, sobrepondo-se à lucidez e à razão; amor ardente, inclinação afetiva e sensual intensa; afeto dominador e cego, obsessão; entusiasmo muito vivo por alguma coisa; atividade, hábito ou vício dominador; desgosto, mágoa, sofrimento; arrebatamento, coleira; o martírio de Cristo. Nos estudos da doutrina, encontrei outra definição, desta vez de Palhano, que traduzia paixão como uma das imperfeições do Espírito que lhe traz bastante sofrimento, pois que está cego diante da lógica e da razão e longe do verdadeiro amor, que não é a mesma coisa. Cá para nós, uma palavrinha só para tanto significado é para fundir a cuca, como diriam os jovens de meu tempo.
O tema, porém, vem esclarecido e com todas as dúvidas dizimadas, em O Livro dos Espíritos, cap. XII - Da perfeição moral, no item Paixão. Através de seis questões (907 a 912) endereçadas por Kardec aos Espíritos, descortina-se diante de nós um estudo esclarecedor. Na questão 907, ensina-se que as paixões fazem parte da natureza humana e que elas não são más, pois o princípio que lhe dá origem foi posto no homem para o bem. A "coisa" com os excessos e abusos, esses sim é que causam o mal. Na questão seguinte, ensina-se que o governo da paixão é que determina o limite em que se situa a fronteira do bem e do mal. Entre estes caminhos, a paixão se torna um perigo quando a gente perde o domínio e causam os males aos outros e a nós mesmos. Assim, entendemos que a paixão nada tem a ver com o instinto, sendo um acúmulo de energia. A vigilância é a nossa defesa para se defender desse sentimento inferior.
No livro Boa Nova, página 101, há o episódio em que Jesus orienta Joana de Cusa - 101: Ela pergunta "porque Deus não impõe a sua vontade e o seu amor aos tiranos da terra? A sabedoria celeste não extermina as paixões, transforma-as. O Pai não impõe a reforma a seus filhos, esclarece-os no momento oportuno. Deus não trava contendas com as suas criaturas e trabalha em silêncio por toda a Criação". O Espiritismo classifica as paixões em inferiores e superiores. Inferiores são as que mais se manifestam nas pessoas, traduzidas pelo orgulho e pela vaidade, inveja e a avareza, ódio e vingança, personalismo e agressividade, maledicência e intolerância, impaciência e cólera, e, a mais terrível, o egoísmo. As superiores são manifestações divinas, boas, que precisam ser trabalhadas para o bem da humanidade. Quais são? As qualidades do Mestre Jesus: virtude, humildade, resignação, sensatez, piedade, generosidade, doçura, benevolência, compreensão, tolerância, renúncia, misericórdia, paciência, dedicação e, o que o Mestre sempre evidenciou, inclusive na hora da dor mais profunda no Calvário: o perdão.
Com relação ao egoísmo, Emmanuel ensina no livro Fonte Viva, que "se o egoísta contemplasse a solidão infernal que o aguarda, nunca se apartaria da prática infatigável da fraternidade e da cooperação". Portanto, ele é a fonte de todos os vícios, estando apoiado no culto do personalismo. No Novo Testamento, temos como exemplo de egoísmo a atitude de Pilatos que, ao pensar somente em si mesmo, entregou Jesus aos seus carrascos. Já o Mestre nos deu o exemplo da caridade, do amor e do perdão, sintetizados no axioma "Amarás a teu próximo como a ti mesmo".
Com referência às virtudes, ou paixões divinas, Kardec, na questão 893, pergunta aos Espíritos: "Qual é a mais meritória de todas as virtudes?", e os Espíritos respondem que "todas as virtudes tem o seu mérito, porém a mais meritória é aquela que se baseia na caridade mais desinteressada". Os Instrutores Espirituais nos afirmam que há virtude também toda vez que há resistência voluntária ao arrastamento das más tendências, associando-a ao devotamento e à abnegação. Aliás, com relação a essas últimas, o Espírito de Verdade diz que seu cultivo nos tornará fortes, "porque elas resumem todos os deveres impostos pela caridade e humildade." Na pergunta 886, explica-se que "o amor e a caridade são o complemento da lei de justiça porque amar ao próximo é fazer todo o bem que está ao nosso alcance e o que gostaríamos que nos fosse feito". A caridade, sabemos, manifesta-se de maneiras variadas, seja em pensamento, em bondade e pela oração.
Pois bem, quando cultivamos paixões inferiores, atraímos ou ocasionamos doenças, conforme nos ensina a vasta literatura deixada por André Luiz em obras como Evolução em Dois Mundos e Nosso Lar, pela preciosa psicografia de Chico Xavier. No corpo, podemos contrair as doenças causadas pelas consequências das paixões desvairadas, infecções passadas da alma ao corpo como câncer, tuberculose, lepra, até chegar a Aids, e, na alma, o ódio, o rancor, o orgulho, o egoísmo etc., anomalias geradas pelo desequilíbrio de nossas forças mentais. Para se ter uma ideia exata disso, recomendamos a leitura do trecho de Nosso Lar, em que André Luiz narra o estado em que chegou na Colônia, vítima do peso das paixões mundanas, com câncer de intestino e metástases. A leitura continuada mostrará as consequências dessa vida desregrada no seu perispírito, comprometendo futuras reencarnações.
Jesus Cristo sentiu em seu espírito todas as lanças das paixões inferiores e respondeu com o bálsamo das superiores. Ao ódio dos fariseus respondeu com o perdão, à calúnia, ao sofrimento na carne, retribuiu pedindo a Deus que fosse feita a sua vontade e não a dEle, num supremo e derradeiro ato de dignidade e evolução espiritual.
Bibliografia:
. Dicionário da Língua Portuguesa. Aurélio Buarque de Hollanda;
. Dicionário de Filosofia Espírita. L. Palhano Jr.;
. Dramas da Obsessão. Bezerra de Menezes / Amaral P.;
. Evangelho Segundo o Espiritismo. Allan Kardec.
. Evolução em Dois Mundos. André Luiz / Francisco Cândido Xavier;
. Fonte Viva. Emmanuel / Francisco Cândido Xavier;
. Livro dos Espíritos. Allan Kardec;
. Nosso Lar. André Luiz / Francisco Cândido Xavier.
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