Jehul, elevada entidade das mais belas regiões da vida espiritual, foi chamado pelo caricioso apelo de um nobre mensageiro da Verdade e do Bem, que lhe falou nestes termos:
- Uma das almas a que te vens devotando particularmente, desde muitos séculos, vai agora ressurgir nas tarefas de reencarnação sobre a Terra. Seus débitos foram agravados de muito em virtude das quedas a que se condenou pela ausência de qualquer vigilância, mas o Senhor da Vida concedeu-lhe nova oportunidade de resgate e elevação.
Jehul sorriu e exclamou, denunciando sublimes esperanças:
- É Láio?
-Sim, - replicou o generoso mentor, - ele mesmo, que noutras eras, te foi tão amado na Etrúria. Atendendo às tuas rogativas, permite Jesus que lhe sejas o guardião desvelado, através de seus futuros caminhos. Ouve, Jehul! Serás seu companheiro constante e invisível, poderás inspirar-lhe pensamentos retificadores, cooperar em suas realizações proveitosas, auxiliando-o, em nome de Deus; mas, não esqueças que a tua tarefa é de guardar e proteger, nunca a de arrebatar o coração de teu tutelado das experiências próprias, dentro do livre arbítrio espiritual, a fim de que construa suas estradas para o Altíssimo com as próprias mãos.
Jehul agradeceu a dádiva derramando lágrimas de reconhecimento.
Com que enlevo pensou nas possibilidades de aconchegar ao seio aquele ser amado que havia tanto tempo, se lhe perdera do caminho!...
Láio lhe fora filho idolatrado na paisagem longínqua. É certo que não lhe compreendera a afeição, na recuada experiência. Desviara-se das sendas retas, quando ele mais esperava de sua mocidade e inteligência; seu coração carinhoso, porém, preferira ver no fato um incidente que o tempo se encarregaria de corrigir. Agora, tomá-lo-ia de novo nos braços fortes e o reconduziria à Casa de Deus. Suportaria, corajosamente, por ele, a pesada atmosfera dos fluidos materiais. Toleraria, de bom grado, os contrastes da Terra. Todos os sofrimentos eventuais eram poucos, pois acabava de alcançar a oportunidade de erguer, dentre as dores humanas, um irmão muito amado, que fora seu filho inesquecível.
O generoso amigo espiritual atravessou as paisagens maravilhosas que o separavam do ambiente terrestre. Ficaram para traz de seus passos os jardins suspensos, repletos de flores e de luz. As melodias das regiões venturosas distanciavam-lhe dos ouvidos.
Esperançoso, desassombrado, o solícito emissário penetrou a atmosfera terrestre e achou-se diante de um leito confortável, onde se identificava um recém-nascido pelo seu brando choramingar. Os Espíritos Amigos, encarregados de velar pela transição daquele pequenino, que Jehul beijou, tomado de profunda emoção, apertando-o de encontro ao peito afetuoso.
E era de observar-se, daí em diante, o devotamento com que o guardião se empenhou na tarefa de amparar a débil criança. Sustentou, de instante a instante, o espírito maternal, solucionando, de maneira indireta, difíceis problemas orgânicos, para que não faltassem os recursos da paz aos primeiros tempos do inocentinho humano. E Jehul ensinou-lhe a soletrar as primeiras palavras, reajustando-lhe as possibilidades de usar novamente a linguagem terrestre. Velou-lhe os sonos, colocou-o a salvo das vibrações perniciosas do invisível, guiou-lhe os primeiros movimentos dos pés. O generoso protetor nada esqueceu e foi com lágrimas de emotividade que inspirou ao coração materno as necessidades da prece para a idolatrada criancinha. Depois das mãos postas para pronunciar o nome de Deus, o amigo desvelado acompanhou-o à escola, a fim de restituir-lhe, sob as bênçãos do Cristo, a luz do raciocínio.
Jehul não cabia em si de contentamento e esperança, quando Láio se abeirou da mocidade.
Então, a perspectiva dos sentimentos transformou-se.
De alma aflita, observou que o tutelado regressava aos mesmos erros de outros tempos, na recapitulação das experiências necessárias. Subtraia-se, agora, à vigilância afetuosa dos pais, inventava pretextos desconcertantes e, por mais que ouvisse as advertências precisas e doces do mentor espiritual, no santuário da consciência, entregava-se, vencido, aos conselheiros de rua, caindo miseravelmente nas estações do vício.
Se Jehul lhe apontava o trabalho como recurso de elevação, Láio queria facilidades criminosas; se alvitrava providências da virtude, o fraco rapaz desejava dinheiro, com que se desvencilhasse dos esforços indispensáveis e justos. Entre sacrifícios e dores ásperas, o prestimoso guardião o viu gastar, em prazeres condenáveis, todas as economias do suor paternal, assistindo aos derradeiros instantes de sua mãe que partia da Terra, ferida pela ingratidão filial. Láio relegara todos os deveres santos ao abandono, entregando-se à ociosidade destruidora. Não obstante os cuidados do mentor carinhoso, procurou o alcoolismo, o jogo e a sífilis que lhe sitiaram a existência consagrada por ele ao desperdício. O dedicado amigo, entretanto, não desanimava.
Após o esgotamento dos recursos paternos, Jehul cooperou junto a companheiros prestigiosos, para que o tutelado alcançasse trabalho.
Embora contrafeito e subtraindo-se, quanto possível, ao cumprimento das obrigações, Láio tornou-se o auxiliar de uma empresa honesta que, às ocultas, era objeto de suas críticas escarnecedoras. Quem se habitua à ociosidade criminosa costuma caluniar os bens do espírito de serviço.
De nada valiam os conselhos do guardião, que lhe falava, solícito, nos mais profundos recessos do ser .
Daí a pouco tempo, menos por amor que por necessidade, Láio buscou uma companheira. Casou-se. Mas, no desregramento a que se entregava, desde muito tempo, não encontrou no matrimônio senão sensações efêmeras que terminavam em poucas semanas, como a potencialidade de um fósforo que se apaga em alguns segundos. Jehul, no entanto, alimentou a esperança de que talvez a união conjugal lhe proporcionasse oportunidade para ser convenientemente ouvido. Isso, todavia, não aconteceu. O tutelado não sabia tratar a esposa senão entre desconfiança e atitudes violentas. Sua casa era uma secção do mundo inferior a que havia confiado seus ideais. Recebendo três filhinhos para o jardim do lar, muito cedo lhes inoculava no coração as sementes do vício, segregando-os num egoísmo cruel.
Quando viu o infeliz envenenando outras almas que chegavam pela bondade infinita de Deus para a santa oportunidade de serviços novos, Jehul se sentiu desolado e, reconhecendo que não poderia prosseguir sozinho naquela tarefa, solicitou o socorro dos Anjos das Necessidades. Esses mensageiros de educação espiritual lhe atenderam solicitamente aos rogos, começando por alijar-lhe o tutelado do emprego que obtinha o pão cotidiano. Entretanto, em lugar de melhorar-se com experiência buscando meditar como convinha, Láio internou-se por uma rede de mentiras, fazendo-se de vítima para recorrer às leis humanas e ferir as mãos de antigos benfeitores. Acusou pessoas inocentes, exigiu indenizações descabidas, tornou-se odioso aos amigos de outros tempos.
Jehul foi então mais longe, pedindo providência aos Anjos que se incumbem do Serviço das Moléstias Úteis, os quais o auxiliaram, de pronto, conduzindo Láio ao aposento de enfermidade reparadora, a fim de que o mísero pudesse refletir na indigência da condição humana e na generosa paternidade do Altíssimo; aquele homem rebelde, contudo, pareceu piorar cem por cento. Tornou-se irascível e insolente, abominava o nome de Deus, sujava a boca com inúmeras blasfêmias. Foram necessários verdadeiros prodígios de paciência para que Jehul lhe lavasse do cérebro esfogueando e caprichoso os propósitos de suicídio. Foi aí que, desalentado quanto aos recursos postos em práticas, o bondoso guardião implorou os bons ofícios dos Anjos que se encarregam dos Trabalhos da Velhice Prematura. Os novos emissários rodearam Láio com atenção, amoleceram-lhe as células orgânicas, subtraíram-lhe do rosto a expressão de firmeza e resistência, alvejaram-lhe os cabelos e enrugaram-lhe o semblante. No entanto, o infeliz não cedeu. Preferia ser criança ridícula nas aparências de um velho, a entrar em acordo com o programa da sabedoria divina, a favor de si mesmo.
Enquanto blasfemava, seu amigo orava e desdobrava esforços incessantes; enquanto praticava loucuras, o guardião duplicava sacrifícios e esperanças
O tempo passava célere, mas, um dia, o Anjo da Morte veio espontaneamente ao grande duelo e falou com doçura:
- Jehul, chegou a ocasião de tua retirada!...
O generoso mentor abafou as lágrimas de angustiosa surpresa. Fixou o mensageiro com olhos doridos e súplices; o outro, no entanto, continuou:
- Não intercedas por mais tempo! Láio agora me pertence. Conduzi-lo-ei aos meus domínios, mas podes rogar a Deus que o teu tutelado recomece, mais tarde, outra vez...
Terminara a grande partida. A morte decidira no feito, pelos seus poderes transformadores, enquanto o guardião recolhia, entre lágrimas, o tesouro de suas esperanças imortais.
E, grafando esta história, lembro-me que quase todos os espíritos encarnados tem algum traço de Láio, ao passo que todos os Espíritos Protetores tem consigo os desvelos e os sacrifícios de Jehul...
Irmão X/Chico Xavier. Esta mensagem foi psicografada em 3 de julho de 1941 e encontra-se inserida no livro ‘’Reportagens de Além-Túmulo’’,